Reforma Trabalhista – Lei n° 13.467/2017

 

  1. Breves considerações sobre as principais mudanças da Reforma Trabalhista.

É cediço que há tempos as normas trabalhistas necessitavam de atualizações, a fim de atender às novas formas de trabalho que surgiram. A Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), principal instrumento legal trabalhista, foi editada por meio do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e jamais havida passado por qualquer severa atualização, vindo a ocorrer somente agora.

A Lei 13.467/2017, publicada no dia 14/07/2017, altera vários dispositivos previstos na CLT. A referida lei entrará em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação, ou seja, em 12/11/2017.

É importante frisar que ainda não se sabe, ao certo, como será a aceitação pelo Judiciário Trabalhista no que tange a alguns dispositivos, pois é fato que diversos institutos foram revistos e posições solidificadas abaladas. Neste momento, a situação ainda não pode ser perfeitamente prevista e ainda haverá diversas discussões a respeito.

Em vista disso, considerando que são inúmeras as alterações, apresentaremos comentários a alguns dos temas de grande destaque atualmente, demonstrando, ainda como é o cenário e como ficará com a vigência da Lei.

Destaca-se, não obstante, que, até que a Reforma Trabalhista entre em vigor, tanto os novos contratos de trabalho quanto os já existentes permanecem valendo pelas regras atuais.

  • Negociação individual.

 A CLT em seu atual Artigo 444 estabelece que as relações de trabalho podem ser estipuladas livremente pelas partes, desde que não contravenha às disposições do trabalho:

“Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”.

Com a Reforma Trabalhista, a regra geral de livre estipulação será mantida acrescentando-se apenas ao dispositivo a situação em que ao empregado, portador de diploma de nível superior e detentor de salário mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo da Previdência[1], será livre para estipular a sua relação contratual nas hipóteses previstas no novo Artigo 611-A da CLT, com a mesma eficácia legal preponderância sobre os instrumentos coletivos:

“Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no Art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.” (grifos nossos).

Ressalte-se, portanto, que a negociação entre empregado e empregador, acerca das hipóteses traçadas no novo Artigo 611-A da CLT (vide item 1.2 abaixo com a listagem exemplificativa dessas hipóteses), apenas serão possíveis se o obreiro detiver os requisitos para tanto, quais sejam: diploma de nível superior e salário superior a R$ 11.062,62 (onze mil, sessenta e dois Reais e sessenta e dois centavos). Inexistindo esses requisitos, tais direitos listados no referido Artigo apenas poderão ser discutidos via Acordo Coletivo de Trabalho (“ACT”) ou Convenção Coletiva de Trabalho (“CCT”), ou seja, com a participação do Sindicato laboral.

Embora a legislação preveja a negociação entre o empregador e o empregador, a crítica a referido Artigo se dá no sentido de que o trabalhador, ainda que qualificado, sempre estará em condição de vulnerabilidade, ou seja, se sujeitando às ordens de seu empregador e concordando com qualquer ajuste com intuito de manutenção do emprego.

Ademais, ao empregado com salário acima de R$11.062,62 (não precisa deter diploma de nível superior) é possível prever a cláusula compromissória, ou seja, que futuros conflitos decorrentes do contrato de trabalho serão resolvidos por arbitragem e não na Justiça do Trabalho.

  • Negociação coletiva.

A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), de maneira geral, fortalece o poder do negociado sobre o legislado, estabelecendo que os ACTs ou CCTs sobrepor-se-ão à Lei, nas hipóteses previstas no texto, conforme o novo Artigo 611-A:

“Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

II – banco de horas anual;

III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei nº 13.189, de 19 de novembro de 2015;

V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;

VI – regulamento empresarial;

VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho;

VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

X – modalidade de registro de jornada de trabalho;

XI – troca do dia de feriado;

XII – enquadramento do grau de insalubridade;

XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;

XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;

XV – participação nos lucros ou resultados da empresa”. (grifos nossos).

O dispositivo supracitado estabelece que, quando se tratarem das situações lá previstas, a CCT e o ACT terão prevalência sobre a lei.

É importante trazer à baila o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal (“STF”) acerca do tema. Nas valiosas palavras do Ministro Relator Roberto Barroso no Recurso Extraordinário 590.415 em repercussão geral, cujo voto foi acompanhado de forma unânime pelos demais Ministros do Pleno do STF, válidos são os ACTs que protegem os direitos que correspondam a um patamar civilizatório mínimo, citando como exemplos, a anotação da CTPS, o pagamento do salário mínimo, o repouso semanal remunerado, as normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios e a liberdade de trabalho. Enquanto tal patamar civilizatório mínimo seja preservado, os direitos que o excedem podem, livremente, se sujeitar à negociação coletiva. Destaca-se passagem do referido acórdão:

“24. É relevante, ainda, para a análise do presente caso, o princípio da lealdade na negociação coletiva. Segundo esse princípio os acordos devem ser negociados e cumpridos com boa-fé e transparência.

Não se pode invocar o princípio tutelar, próprio do direito individual, para negar validade a certo dispositivo ou diploma objeto de negociação coletiva, uma vez que as partes são equivalentes, ao contrário do que ocorre no ramo individual.

(…) estão protegidos contra a negociação in pejus os direitos que correspondam a um “patamar civilizatório mínimo”, como a anotação da CTPS, o pagamento do salário mínimo, o repouso semanal remunerado, as normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, a liberdade de trabalho, etc.16 Enquanto tal patamar civilizatório mínimo deveria ser preservado pela legislação heterônoma, os direitos que o excedem sujeitar-se-iam à negociação coletiva, que, justamente por isso, constituiria um valioso mecanismo de adequação das normas trabalhistas aos diferentes setores da economia e a diferenciadas conjunturas econômicas17.

(…)

  1. Nessa linha, não deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos acordos coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da vontade exclusivamente aplicável às relações individuais de trabalho. Tal ingerência viola os diversos dispositivos constitucionais que prestigiam as negociações coletivas como instrumento de solução de conflitos coletivos, além de recusar aos empregados a possibilidade de participarem da formulação de normas que regulam as suas próprias vidas. Trata-se de postura que, de certa forma, compromete o direito de serem tratados como cidadãos livres e iguais”. (STF. Pleno. RE 590415. Ministro relator Relator Roberto Barroso. Data da Publicação: 29/05/2015) (grifos nossos).

Ademais, a CLT dispõe, em seu atual Artigo 620, que as condições estabelecidas em CCT, quando mais favoráveis, prevaleceriam sobre as estipuladas em ACT:

“Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo”.

Com a Reforma Trabalhista, referido dispositivo passará a ter um conceito completamente contrário ao antes previsto, eis que as condições estabelecidas em ACT sempre prevalecerão diante daquelas estipuladas em CCT, conforme o novo Artigo 620:

“Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.”

Assim, em primeira análise, a elaboração de ACT com o Sindicato laboral mostra-se como alternativa viável para as empresas flexibilizarem as condições de trabalho, para os empregados que estejam dentro do patamar salarial que não autoriza a negociação individual entre empregado e empregador.

  • Objeto de negociação.

Conforme exposto anteriormente, o novo Artigo 611-A estabelece os temas que, se tratados por meio de negociação coletiva, terão prevalência à lei.

O novo Artigo 611-B traz ainda listagem dos direitos que não podem ser reduzidos ou suprimidos através de CCT ou ACT (basicamente direitos dos empregados previstos no Artigo 7º da Constituição Federal), a saber:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:

I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III – valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);

IV – salário mínimo;

V – valor nominal do décimo terceiro salário;

VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

VIII – salário-família;

IX – repouso semanal remunerado;

X – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;

XI – número de dias de férias devidas ao empregado;

XII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;

XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei;

XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

XVI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;

XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;

XVIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;

XIX – aposentadoria;

XX – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;

XXI – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos

após a extinção do contrato de trabalho;

XXII – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;

XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;

XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;

XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;

XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;

XXVIII – definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;

XXIX – tributos e outros créditos de terceiros;

XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.

 Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.” (grifos nossos).

Assim, os direitos elencados no novo Artigo 611-B não podem, ainda que por norma coletiva, serem suprimidos, tratando-se de garantia mínima ao trabalhador.

  • Contribuição Sindical.

 Atualmente, a contribuição sindical é obrigatória. O pagamento é feito anualmente, por meio de desconto equivalente a 1 (um) dia de salário do empregado. Tal situação é regida pelos atuais Artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587, 601, 602 e 604 da CLT.

Com exceção dos Artigos 601 (exigência de quitação do imposto sindical quando da admissão) e 604 (exigência do imposto sindical para trabalhadores autônomos ou profissionais liberais), que foram integralmente revogados, os demais Artigos sofrerão alterações.

A nova redação dos Artigos passa a constar que a contribuição sindical não é mais obrigatória, sendo que toda e qualquer contribuição ao Sindicato deverá ser expressamente autorizada pelo trabalhador.

Em primeira análise, pode parecer que, em não sendo obrigatória a contribuição, os Sindicatos perderiam força na intermediação de relações de trabalho.

Ocorre que as principais entidades sindicais já estão se movimentando a fim de estabelecer nova forma de serem remuneradas, já que a lei não torna mais a contribuição sindical obrigatória.

Ademais, como já exposto, a Reforma traz grandes possibilidades de flexibilização das normas de trabalho por meio de negociação coletiva, criando a possibilidade de o empregador ter interesse em estabelecer ACTs com o Sindicato laboral.

  • Prazo de validade das normas coletivas.

A CLT, atualmente, estabelece que não será permitido estipular duração de CCT ou ACT superior a 2 anos (Artigo 614, § 3º).

Não obstante, em 2012, a ultratividade foi inserida na Súmula 277 pelo Tribunal Superior do Trabalho (“TST”)[2] para determinar a incorporação de normas coletivas aos contratos individuais de trabalho enquanto não realizada nova negociação coletiva:

 Súmula nº 277 do TST

CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

[1] O teto previdenciário atualmente é de R$5.531,31, válido desde 01/01/2017. Isto é, de acordo com a Reforma, só será possível livre estipulação com o empregado com formação em nível superior e que receba um salário, de no mínimo, R$11.062,62.
[2] O Ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu em 14/10/2016 medida cautelar para suspender todos os processos e efeitos de decisões no âmbito da Justiça do Trabalho que discutam a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas. A decisão, a ser referendada pelo Plenário do STF, foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 323, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), questionando a Súmula 277 do TST. Também em 17/04/2017, o Ministro Luiz Fux, do STF, concedeu liminar na Reclamação (RCL) 26256 para suspender os efeitos de decisão do TST que manteve em curso processo no qual foram preservados os efeitos de decisão de instância inferior que aplica o princípio da ultratividade das normas coletivas. De acordo com o relator, em análise preliminar do caso, a decisão parece ofender a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes na ADPF 323, que determinou a suspensão de todos os processos e efeitos de decisões no âmbito da Justiça do Trabalho que tratem da ultratividade de normas de acordos e convenções coletivas.