A Lei da Liberdade Econômica sob o Enfoque da Flexibilização da Legislação Trabalhista

No último dia 20/09/2019 foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro a Lei n° 13.874/2019, originada da MP 881/2019, a chamada “Lei da Liberdade Econômica”. Com poucos vetos, a nova Lei foi publicada, em edição extra, no Diário Oficial da União na mesma data e prevê, dentre outras, a flexibilização das regras trabalhistas. Está em vigor.
Dentre várias mudanças, é imperioso destacar a alteração do Artigo 74 da Consolidação das Leis Trabalhistas (“CLT”) que previa a obrigatoriedade de anotação em ponto para empresa com mais de 10 (dez) empregados. A nova Lei prevê a obrigatoriedade na anotação do ponto, seja ela de forma eletrônica ou manual, para empresas com mais de 20 (vinte) empregados. Com a referida alteração, certamente, haverá revogação ou adequação do inciso I da Súmula 338 do Tribunal Superior do Trabalho (“TST”) que trata, exatamente, sobre a obrigatoriedade da anotação em ponto.
Além disso, ficou instituído, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, o registro de ponto por exceção, que nada mais é que a desnecessidade de anotação diária do controle de ponto, presumindo, desta feita, a jornada padrão. Apenas deverá ser anotada a jornada ocorrida de forma ocasional, tais como faltas, saídas antecipadas e horas extras. E, se o trabalho ocorrer fora do estabelecimento, incumbirá ao funcionário anotar a jornada no controle de ponto, situação que poderá confrontar, no caso do trabalho tipicamente externo, com o previsto no Artigo 62, I, da CLT, aplicável aos empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho.
Em que pese a nova previsão legal, certo é que as empresas deverão ter cautela com relação a tal metodologia de anotação do ponto por
exceção, pois se, em eventual demanda trabalhista, restar provado que houve, por exemplo, hora extra e que esta não foi anotada, todo o controle de jornada poderá ser desconstituído atraindo o ônus para a empresa de provar qual a real jornada usufruída, sob pena de ser considerada verdadeira aquela alegada pelo empregado.
Outra medida interessante prevista na Lei é o fim do E-Social, sistema bastante polemizado que unifica o envio de dados dos trabalhadores e empregados. A intenção da nova Lei é substituí-lo por um sistema mais simples, desburocratizado.
Ademais, no tocante à Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), será emitida, preferencialmente, por meio eletrônico e o empregador poderá anotar o registro no prazo de até 5 (cinco) dias. Ela pode ser emitida por qualquer trabalhador, brasileiro ou estrangeiro, de maneira eletrônica, mediante o fornecimento do seu CPF. Com isso, esse número passa a substituir o número da CTPS física, embora a carteira digital não sirva para a identificação civil de qualquer pessoa.
A nova legislação também modifica as regras da desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil, a qual passa a ser uma exceção à regra consagradora da autonomia da pessoa jurídica em face de seus componentes. A alteração visa que o instituto da desconsideração não seja utilizado de forma desproporcional, abusiva e desmedida, atingindo pessoa natural do sócio que não tenha praticado o ato tido como abusivo ou ilícito. Assim, dívidas trabalhistas da pessoa jurídica não devem atingir seus sócios pelo simples fato de a pessoa jurídica não possuir ativos suficientes para quitar as dívidas junto a seus empregados.
Sobre essa nova previsão legal, o Presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-SP, Dr. Jorge Pinheiro Castelo, emitiu, recentemente, nota técnica em que afirma que este novo dispositivo do Código Civil não terá validade no âmbito da Justiça do Trabalho. Por outro lado, vale ressaltar que o Artigo 1º, §1º, da Lei n° 13.874/2019 prevê que o disposto na Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito trabalho, entre outros direitos, tais como o empresarial e o
econômico. Desta forma, não há como excluir a aplicação da regra da exceção da desconsideração da personalidade jurídica somente ao direito do trabalho.
Como é notória a prática da Justiça do Trabalho brasileira de desconsiderar a personalidade jurídica da empresa, executando as pessoas físicas dos sócios, certamente a discussão ainda será longa.
É cediço que qualquer alteração na legislação, seja em qualquer modalidade, traz insegurança, não só aos aplicadores do Direito, pois não se sabe, ao certo, a forma como o novel dispositivo será aplicado pela Justiça, já que a legislação brasileira proporciona infinidade de interpretações. Em razão disso, é indene a necessidade de acompanhamento minucioso dos desdobramentos da atual Lei 13.874/2019.

Júlia Tiburcio, advogada no escritório MKA

julia@mka.adv.br