A PROBLEMÁTICA DA MEDIDA EFETIVA PARA A VEDAÇÃO DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA

A antecipação da tutela satisfativa urgente visa a satisfação de uma tutela jurisdicional que corre o risco de não ser prestada de forma plenamente eficaz caso não seja concedida antes do exaurimento da cognição.

 

A tutela de urgência satisfativa antecedente “é aquela que deflagra o processo em que se pretende, no futuro, pedir a tutela definitiva”. É requerimento anterior à formulação do pedido de tutela definitiva e tem por objetivo adiantar seus efeitos.

 

Assim, pleiteada em caráter antecedente a tutela satisfativa fundada na urgência, se concedida nos termos requeridos, recairá sobre o autor o ônus de aditar a inicial, devendo ser intimado na forma do inciso I, do parágrafo primeiro do art. 303 do Código de Processo Civil (“CPC”), devendo complementar sua argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final no prazo de 15 dias ou em outro prazo maior que o magistrado venha a fixar. Caso o autor não se desincumba do ônus que ora lhe recai de aditar a inicial, o §2º, do art. 303, do CPC, determina a extinção do feito sem resolução do mérito.

 

De outro turno, realizado o aditamento, com a juntada de todos os documentos e elementos necessários para a devida apreciação do pedido de tutela final, deve o réu ser citado para comparecer à audiência de conciliação ou de mediação, que se desenrolará na forma do art. 334 do CPC e intimado, no mesmo ato, para que cumpra a providência deferida a título de tutela antecipada.

 

Destaca-se que a técnica da estabilização não permitirá a declaração de validade ou invalidade, existência ou inexistência de um ato jurídico, assim como não se reveste da potencialidade de constituir ou desconstituir uma situação jurídica, de modo que em muitos casos não bastará para as partes – ou uma delas – uma decisão provisória acerca do direito discutido em juízo. Por conseguinte, não serão raros os casos nos quais o próprio autor da tutela antecipada estabilizada terá interesse na instauração do procedimento de cognição exauriente, conforme permissivo do §6º, do art. 304, do CPC.

 

Importante destacar que há alguns óbices impeditivos do procedimento de estabilização, quais sejam: (i) quando o réu do processo urgente preparatório for citado por edital ou hora certa (modalidades de citação ficta); (ii) causas que envolvam direitos indisponíveis.

 

No que tange aos efeitos, uma vez operacionalizada no processo a estabilização dos efeitos da decisão que concedeu a tutela antecipada, na forma do art. 304, do CPC, abre-se a oportunidade para qualquer das partes intentar ação para rever, reformar ou invalidar tal decisão.

 

A tutela estabilizada pode ser revista, a partir da propositura de uma ação autônoma a ser distribuída por dependência no mesmo juízo processante, em um prazo de 2 (dois) anos, sem necessidade de qualquer depósito prévio e sem restrição quanto às hipóteses de cabimento. Nota-se, portanto, que a estabilização da tutela oferece menos segurança que a coisa julgada, que por sua vez somente poderá ser revisitada a partir da propositura da ação rescisória, se preenchidos todos os requisitos a ela inerentes.

 

Ademais, percebe-se que o transcurso dos 2 anos para a revisitação da decisão concessiva da tutela estabilizada não acarreta a produção da coisa julgada material, apenas acontecendo o fenômeno chamado de “estabilização da tutela plena”, visto que não poderá mais ser modificada.

 

A partir desse instituto novo da estabilização da tutela antecipada deferida pelo magistrado, o questionamento pauta-se em qual seria a medida efetiva do réu, a fim de evitá-la. Se bastaria a interposição do agravo de instrumento, ou, se deveria ser comprovados os requisitos necessários para a interposição deste recurso, ou ainda, se a simples contestação seria apta para impedir a estabilização da demanda.  Há dissenso na doutrina e jurisprudência quanto ao tema. Vejamos.

 

Primeiramente, cumpre abordar que uma vez concedida a tutela antecipada em caráter antecedente, o réu poderá evitar a estabilização da decisão concessiva. Para tanto, o meio que lhe fora reservado na lei é a interposição do agravo de instrumento, conforme disposto no caput do art. 304 do CPC. Caso não ocorra a interposição do recurso, ocorrerá a estabilização da decisão e o processo será extinto.

 

Mesmo que o réu opte por não interpor o agravo de instrumento, mas, no mesmo prazo, ofereça contestação ou se manifeste pela realização da audiência de conciliação ou de mediação, para algumas correntes doutrinárias restaria evitada a estabilização da decisão.

 

Evidenciada a insegurança jurídica causada pela dúvida quanto a estabilização ou não de tutelas que não foram agravadas, mas sofreram outras formas de resistência, fez-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) se manifestasse, em definitivo, a referida questão.

 

Tem-se, assim, que o STJ, ao decidir o Resp 1760966/SP, entendeu que a contestação poderia, sim, impedir estabilização da tutela antecipada, tendo em vista que formas de impugnação, como a contestação, podem ser usadas para impedir a estabilização da tutela antecipada, dando assim, uma interpretação extensiva do art. 304 do CPC.

 

Foi discorrido que na prática, no caso da parte não apresentar recurso de agravo de instrumento contra a tutela antecipada pedida em caráter antecedente, mas, por exemplo, se antecipe e apresente contestação refutando os argumentos trazidos na inicial e pleiteando a improcedência do pedido, não ocorrerá a estabilização da tutela, e ela pode ser revertida. Isso ocorreria, a fim de evitar o estímulo à interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando os tribunais. Da mesma forma, tal situação também acarretaria um estímulo desnecessário no ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.

 

Importante destacar, contudo, que embora o STJ tenha discorrido sobre o tema, a legislação é clara ao dispor que apenas o Agravo de Instrumento é o meio viável e eficaz para evitar a estabilização da decisão, motivo pelo qual qualquer outro entendimento poderia gerar violação direta ao Artigo 5º, II, da Constituição Federal já que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de algo senão em virtude de lei e, não sendo atribuição do Judiciário legislar, o tema poderia enfrentar discussões, também, no Supremo Tribunal Federal (“STF”).

 

Diante de todo exposto tem-se que tanto a doutrina quanto a jurisprudência possuem entendimento divergentes acerca do meio eficiente para a estabilização da decisão da tutela, muito embora o STJ já tenha decidido sobre a possibilidade de a contestação ser meio eficaz para tanto.

 

Contudo, não havendo tal disposição na legislação e não sendo atributo do Judiciário legislar, tem-se que a problemática vai além, já que evidenciada violação constitucional, podendo o tema ser reanalisado perante o STF.

 

Bianca Pitman, advogada no escritório MKA.

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